
Como resíduos agroindustriais podem ser meios de cultura sustentáveis?
Como a economia brasileira é baseada fortemente na agricultura, com a produção de café, cana-de-açúcar, soja, mandioca, frutas, cereais entre outros, a produção destes alimentos gera, elevadas quantidades de resíduos, que são fontes ricas em energia renovável para o planeta. O acúmulo de biomassa em grandes quantidades, traz prejuízos ao meio ambiente e também resulta no desperdício de materiais potencialmente valiosos. Essas razões, aliadas ao baixo custo de tais matérias-primas, aumentam o interesse na utilização desses resíduos em processos biotecnológicos.
Alguns bioprocessos demandam a utilização de matérias-primas para o preparo de meios de cultura, que serão utilizados pelos micro-organismos para a produção de compostos de interesse biotecnológico. Essas matérias-primas fornecem um excelente substrato para o crescimento de micro-organismos industriais, dentre eles: bactérias, fungos filamentosos, leveduras e microalgas, suprindo os nutrientes essenciais para os mesmos. Alguns desses nutrientes funcionam como fontes de carbono e nitrogênio, os quais são considerados macronutrientes, além de micronutrientes, como sais minerais e vitaminas, que podem ser importantes como cofatores e coenzimas.
Em processos fermentativos,podem ser utilizadas matérias-primas que apresentam composição química variada, como: bagaço de cana-de-açúcar, polpa de beterraba, resíduo de uva, soro de queijo, água de maceração de milho, casca de arroz, dentre outros. Muitos processos têm sido desenvolvidos com a utilização desses resíduos para a produção de etanol, cogumelos, enzimas, ácidos orgânicos, aminoácidos e metabólitos secundários ativos.

Figura 1 - Fluxograma da utilização de resíduos na produção de energia e de produtos biotecnológicos. Adaptado de Kamm & Kam (2004) e Paola DiDonato (2012).
Apesar da grande diversidade metabólica dos micro-organismos, nem sempre resíduos agroindustriais são de fácil utilização. Essas matérias-primas são geralmente ricas em celulose, hemicelulose e lignina, e são muito resistentes e menos susceptíveis a ação de enzimas. Assim, muitas vezes são necessários pré-tratamentos desses resíduos, incluindo técnicas de natureza física (moagem, térmica), química (tratamento alcalino) ou enzimática (lacase). Estes tratamentos podem ser necessários para promover uma maior disponibilização dos nutrientes que serão utilizados pelos micro-organismos.

Figura 2 - Bagaço de cana-de-açúcar que é gerado após a extração do caldo de cana-de-açúcar pela indústria sucroalcooleira. Tem sido utilizado para a produção de etanol de segunda geração, pois o bagaço contém hemicelulose. Fonte: Wikipédia.
Como a maioria desses resíduos são de origem vegetal, os mesmos podem apresentar diferentes composições nutricionais, em função de mudanças no solo, na variedade do vegetal, na safra, no clima, no processamento durante a colheita e na estocagem. Assim, vários estudos são necessários para otimizar as melhores condições de uso desses resíduos antes de aplicá-los em bioprocessos. Além disso, análises da composição química, como fibras, minerais, carboidratos, proteínas, umidade prévias são necessárias, para determinar os nutrientes dos mesmos, permitindo um melhor acompanhamento de possíveis mudanças em diferentes lotes da matéria-prima.
Os resíduos agroindustriais são excelentes fontes de matérias-primas para bioprocessos, com menores custos para a indústria, mas com certeza, o principal apelo é a sustentabilidade, garantida pelo aproveitamento de resíduos, que seriam descartados pela indústria.
Alguns exemplos de resíduos utilizados para a produção de metabólitos de interesse são a utilização de bagaço de mandioca para a produção de Goma Xantana (um importante espessante) pela bactéria Xanthomonas campestris, o antibiótico penicilina pelo fungo filamentoso Penicillium chrysogenum, utilizando bagaço de cana-de-açúcar e ácido cítrico (ácido orgânico utilizado como conservante, acidulante) por outro fungo filamentosos Aspergillus niger, utilizando farelo de trigo, dentre muitos outros exemplos.
Referencial bibliográfico
1) KAMM & KAMM, Principles of biorefineries. Applied Microbiology and Biotechnology, 2004, 64 (2), 137–145
2) SCHMIDELL, W., LIMA, U.A., AQUARONE, E., BORZANI, W. Biotecnologia Industrial, Volume 2, Engenharia Bioquímica, 1a ed., São Paulo, Ed. Edgard Blücher Ltda., 2001, 541 p.
3) SINGH nee’ NIGAM, P., PANDEY, A. (Editors), Biotechnology for Agro-Industrial Residues Utilization, Springer Science+ Business Media, 2009.